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‘Kaddafi financiou a campanha eleitoral de Sarkozy de 2007’

Nicolas Sarkozy, acusado de ter sido financiado por Kadhafi em sua campanha presidencial de 2007, concorre à reeleição.

Inquietos com uma direita dividida na oposição, conservadores França afora esperam que o ex-presidente Nicolas Sarkozy volte a se candidatar à Presidência. Sondagens realizadas por diários e semanários direitistas comprovam essa expectativa.

Antes disso, no entanto, Sarko terá de provar que não foi mais um presidente corrupto.

Na quarta-feira 2 o diário Le Parisien publicou uma revelação que poderia no mínimo sujar a imagem do ex-presidente. Em meados de dezembro, o armeiro franco-libanês Ziad Takieddine, de 62 anos, disse a um magistrado ter documentos para provar o financiamento ilícito da campanha presidencial de Sarko em 2007.

Muammar Kaddafi, recebido no final de 2007 pelo então presidente Sarkozy, teria doado 50 milhões de euros para a campanha eleitoral de seu anfitrião. Segundo Takieddine, ex-intermediário não oficial da França no Oriente Médio, a doação do Guia teria sido feita através de depósitos em contas bancárias no Panamá e na Suíça.

Eleito presidente da República, Sarko colaborou com o regime líbio nos campos nuclear e de armamentos.

E, no final de 2007, recebeu Kaddafi com grande pompa em uma visita de Estado na Capital das Luzes. Kaddafi, tratado pelo presidente como “Líder Irmão”, montou sua tenda beduína ao lado do Palácio do Élysée.

Takieddine, diga-se, não é nenhuma flor que se cheire. A Justiça abriu uma investigação criminal contra o armeiro por lavagem de dinheiro e corrupção quando, em 5 de março de 2011, ele foi preso no aeroporto Roissy Charles de Gaulle, em Paris, com 1,5 milhão de euros em dinheiro. Takieddine voltava da Líbia.

A atual investigação de Takieddine envolve, ainda, o suposto financiamento ilegal da campanha presidencial francesa de 1995. Nos dois anos anteriores, o armeiro teria recebido propinas para financiar a campanha de Édouard Balladur oriundas de vendas de armas para o Paquistão e a Arábia Saudita.

Detalhe: durante “l’affaire Karachi” o ministro francês do Interior, protégé de Balladur, respondia por Sarkozy.

Takieddine, cuja fortuna é estimada em 125 milhões de euros, conhece os bastidores da política como poucos.

No entanto, ele não é o primeiro a dizer que o regime de Kaddafi financiou a campanha presidencial de Sarkozy.

Em março de 2011, quando a França de Sarkozy preparava a intervenção na Líbia, Saif Al-Islam, fiho do coronel Kaddafi, falou dos 50 milhões de euros investidos na campanha presidencial de 2007.

De fato, o próprio Kaddafi e seu chefe de serviços secretos, Abdallah al-Senoussi, já haviam ameaçado que publicariam documentos comprometedores para Sarko.

Por sua vez, o site francês Mediapart publicou documentos que provam remessas realizadas por Tripoli para a campanha de Sarkozy.

Ademais, o Mediapart e o diário britânico The Daily Telegraph afirmaram que um agente francês matou Kaddafi, logo em seguida linchado pela multidão. A fonte do site Mediapart observou: “A ameaça de uma revelação de financiamento da campanha de Sarkozy em 2006-2007 foi levada suficientemente a sério para que qualquer um no Élysée fosse favorável a uma morte rápida de Kaddafi”.

Enquanto isso, o processo de Saif al-Islam, o filho de Kaddafi preso na Líbia, foi postergado.

Aliados de Chávez vencem em 20 dos 23 estados da Venezuela

As eleições estaduais na Venezuela consagraram no domingo 16 a vitória dos aliados do presidente venezuelano Hugo Chávez em 20 dos 23 estados. Porém, o principal adversário do presidente, Henrique Capriles, venceu em Miranda, estado considerado chave, no Norte do país. O resultado das eleições foi anunciado por volta das 21h de ontem pela presidenta do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena.

Há, entretanto, possibilidades de mudanças nos estados de Bolívar e Amazonas, segundo o conselho. Os aliados de Chávez perderam nos estados de Amazonas, Lara e Miranda. Em Miranda, venceu Capriles que, nas eleições de outubro, conquistou 44% dos votos, enquanto Chávez venceu com 54%. Miranda é um dos estados mais ricos e populosos da Venezuela.

Na Venezuela o voto não é obrigatório e a previsão é que a abstenção chegue a 40%. Os números estão sendo fechados. Ontem, 17.421.923 eleitores foram às urnas em 12.784 zonas eleitorais do país para a escolha de 260 cargos, entre 237 parlamentares e 23 governadores.

Três grupos políticos polarizam a disputa regional: o grupo Grande Polo Patriótico, que reúne aliados de Chávez; a Mesa de Unidade Democrática, que faz oposição; e os independentes.

Para analistas políticos, as eleições de ontem foram importantes para avaliar a unidade do bolivarianismo em um momento de incertezas com o agravamento do estado de saúde de Chávez. Há seis dias, o presidente foi submetido a uma cirurgia para a retirada de um tumor maligno. Foi a quarta operação em 18 meses. O tratamento foi feito, na maior parte do tempo, em Havana, Cuba.

*Com informações da agência pública de notícias da Venezuela, AVN.

Mary Ferreira fala da participação da mulher no poder e na política

Entrevista Exclusiva

Por Waldemar Terr (Repórter de Política) / waldemarter.com.br – wter.blog.uol.com.br

A professora Maria Mary Ferreira, doutora em Sociologia e graduada em Biblioteconomia, pela Universidade Federal do Maranhão (Ufma), participa e está à frente da coordenação do lançamento de dois livros que tratam do papel da mulher, ‘Conhecimento Feminista e Relações de Gênero no Norte e Nordeste’ e ‘Gênero, Política e Poder: participação das mulheres nos espaços de poder no Norte e Nordeste’.

‘Observa-se que, ao longo da construção da democracia no Brasil há uma maior presença de mulheres no poder nas regiões Norte e Nordeste. Veja que a 1ª senadora brasileira é amazonense. A primeira mulher a assumir o cargo de governadora foi no Amapá, a segunda foi no Maranhão e nos últimos anos o Nordeste tem se destacado por estar mais afeito às mulheres no espaços de poder’, avalia.

A seguir a entrevista da professora Mary Ferreira, que possui também mestrado em Políticas Públicas, pela Universidade Federal do Maranhão (1999); fez estágio doutoral na Universidade de Coimbra em Portugal; foi diretora do Arquivo Público Municipal de São Luís e da Biblioteca Pública Benedito Leite e, atualmente, é professora adjunta da Ufma, do Departamento de Biblioteconomia.

É ainda autora de vários livros entre os quais As caetanas vão à luta: feminismos e políticas públicas (2007); Os bastidores da tribuna: mulher, política e poder no Maranhão (2010) ambos editados pela EDUFMA e organizadora dos livros: Mulher, gênero e políticas públicas (1999), Conhecimento feminista e relações de gênero no Norte e Nordeste (2012) e Gênero, política e poder (2012).

Jornal Pequeno – Qual a principal proposta do livro ‘Conhecimento Feminista e Relações de Gênero no Norte e Nordeste’?

Maria Mary Ferreira – Diria que o livro tem dois objetivos principais: Tirar da invisibilidade os estudos que envolvem a temática mulher e relações de gênero e ao mesmo tempo socializar conhecimentos de pesquisadoras do Norte e Nordeste no campo dos estudos de gênero a fim de repensar a mulher na sociedade a partir de diferentes temáticas: educação, violência, saúde, trabalho, cultura e identidade, comunicação e literatura. A leitura do livro nos permite compreender as problemáticas que envolvem as mulheres nestas duas Regiões, que embora não seja tão diferente das outras regiões brasileiras é possível compreender algumas singularidades que marcam a cultura das mulheres nestas duas localidades.

JP – O que levou a realizar o livro ‘Gênero, Política e Poder: participação das mulheres nos espaços de poder no Norte e Nordeste’?

MMF – Observa-se que ao longo da construção da democracia no Brasil há uma maior presença de mulheres no poder nas Regiões Norte e Nordeste. Veja que a 1ª senadora brasileira é amazonense. A primeira mulher a assumir o cargo de governadora foi no Amapá, a segunda foi no Maranhão e nos últimos anos o Nordeste tem se destacado por estar mais afeito às mulheres no espaços de poder. Existem pouquíssimos estudos analisando o problema sub-representação feminina na política e quando analisam o fazem de forma preconceituosa naturalizando a ausência. Outro ponto importante que refletimos neste livro é a permanência da desigualdade de gênero na política. Vivemos uma sociedade conformada com os dados eleitorais que a cada ano se repetem, não há questionamentos por parte da sociedade para o não cumprimento das cotas, os partidos preferem dizer que as mulheres não querem se candidatar. Não consideram que a permanência do patriarcado nas instituições sociais é um fator que afasta as mulheres dos partidos e este por sua vez não criam mecanismos de inclusão.

JP – Como foi feita a seleção dos textos para os livros e datas de lançamentos?

MMF – Faço parte da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher e Relações de Gênero – Redor que bianualmente promove encontros de pesquisadoras oportunizando troca de experiências e apresentação de trabalhos acadêmicos. Esses trabalhos após serem apresentados são selecionados e após isso passam pela avaliação de um conselho científico para deliberar quais os que irão ser publicados. Em se tratando do livro gênero e política a escolha foi minha a partir de um diálogo com as/os autoras/es e considerando o contexto e o momento político. Veja que neste livro abordamos temas que falam de cotas, de financiamento de campanha, fazemos um balanço das eleições municipais de 2008, temas que considerei bastante pertinente para construir um amplo debate e compreender os porquês da pouca presença das mulheres na política formal.

JP – Qual o motivo das feministas defenderem o financiamento público das campanhas?

MMF – As eleições no atual contexto se tornaram uma competição desigual dada às interferências dos grandes grupos empresariais e dos meios de comunicação de massa que investem somas extraordinárias nas campanhas de candidatos que lhes são favoráveis. Nesse jogo de poder e de troca quem tem sido mais beneficiado são os grupos políticos que dominam há décadas o cenário nacional: PMDB, PSDB e anteriormente PFL, DEM. Na lógica atual os partidos pequenos terão muita dificuldade de alcançar patamares para competir igualmente. A mesma situação se percebe em relação às mulheres tendo em vista que a sociedade é patriarcal, temos muito mais dificuldades de arrecadar recursos que os homens. O financiamento público é uma das únicas alternativas de construir a igualdade de gênero na política e favorece eleições mais livres, e mais transparentes. Além disso, não se pode perder de vista que a forma como a política se estrutura no Brasil e em especial no Maranhão ela favorece a manutenção do poder a uma elite que há anos domina o Estado, favorece a mercantilizarão do voto e cria disputa baseada não em valores e posições políticas éticas, mas baseada na troca de favores e na manutenção de feudos políticos que mantêm municípios e populações subjugadas a líderes forjados pelo poder econômico.

JP – Explique, por favor, a razão de após quase um século de conquista do voto feminino as mulheres ainda terem tanta dificuldade para se elegerem ou até mesmo para se colocar como candidatas?

MMF – Porque o poder em diferentes contextos e situações ainda está nas mãos de uma minoria de homens e entre esses poderes estão os partidos político, local onde se realizam as disputas e se constrói as candidaturas. Os partidos alegam o desinteresse das mulheres de se candidatarem, aparentemente não há interesse por parte das mesmas em disputar uma eleição, porém, essa alegação não se justifica, já que tem municípios em que há forte presença de mulheres e elas têm demonstrando grande interesse de participar é o caso, por exemplo, de São Vicente Férrer (MA) que nas últimas eleições para prefeita foi disputado por duas mulheres e um homem. Outra dificuldade está relacionada à prática política machista de grande parte dos partidos que veem as mulheres apenas como ‘cabos eleitorais’ ou ‘animadoras de campanhas’ dos candidatos majoritários.

JP – No caso específico das últimas eleições, as mulheres ampliaram ou não a representação na política?

MMF – Ampliamos de forma muito tímida. Nas eleições de 2000 éramos 11,6%; nas eleições de 2004 passou para 12,7%; em 2008 diminui para 12,5% e nas eleições de 2012 ampliamos um para 13,3%. Diria que é insignificante a mudança. O que se conclui é que embora as cotas estejam sendo minimamente cumprida em alguns estados, (não é o caso do Maranhão onde a atuação do Judiciário tem sido praticamente nula) o resultado final das eleições apontam que não basta apenas a Lei das cotas, é necessário que de fato se encontre mecanismos que garanta a presença das mulheres nas instâncias dos partidos e que estes construam de fato a paridade.

JP – Uma coisa antiga é que as mulheres nunca conseguiram preencher a cota partidária de candidatas. O motivo é o desinteresse das mulheres pela política?

MMF – Não. O motivo é a forma como a sociedade se organizou e determinou papéis sexuais excluindo as mulheres dos espaços de decisão, confinando-a ao mundo doméstico. Essa organização social é reproduzida pelos partidos que continuam organizados de forma arcaica e inacessível para alguns segmentos. Observem os horários que os partidos marcam suas reuniões, assembleias, debates. Na maioria das vezes em horários incompatíveis a presença das mulheres, tendo em vista que são as mulheres que continuam assumindo grande parte das tarefas domésticas e o cuidado com as crianças. Por esta razão eu diria que mudar o atual quadro somente será possível quando se democratizar o espaço privado para que o espaço público seja reconstruído com a presença das mulheres.

JP – No Maranhão, a questão da falta de participação ativa das mulheres em movimentos sociais é mais grave?

MMF – Observo nos movimentos sociais no Maranhão uma forte presença feminina. Considero que as mulheres são maioria em praticamente todos os movimentos sociais: igrejas, sindicatos, estudantes, movimentos de bairros, movimentos pela moradia. Ou seja, em termos numéricos estamos em maior número eu diria de participação ativa também. Porém, o problema é que as mulheres ainda não estão completamente empoderadas e continuam delegando poder aos homens, porque a sociedade naturalizou o poder como sendo masculino. Lembro que no início da década de noventa quando participávamos do orçamento participativo no governo municipal de Jackson Lago havia um momento de eleição dos representantes das comunidades, onde era muito comum as mulheres elegerem homens sob a alegação que sabiam ‘falar melhor’, eram mais ‘desembaraçados’. O que falta na minha concepção é formação política para que asa mulheres se percebam como protagonistas.

JP – O que levou a senhora a escrever os livros ‘As Caetanas vão à luta: feminismo e políticas públicas no Maranhão’?

MMF – Este livro foi minha dissertação de mestrado. O livro nasceu da necessidade de refletir sobre a importância do movimento feminista no Maranhão na construção da identidade das mulheres e na luta por direitos e igualdade. Quando o Grupo de Mulheres da Ilha emergiu em São Luís em 1980 eu logo me identifiquei com o grupo e com as ideias feministas, tinha nessa época pouco mais de 20 anos. Considero que este grupo foi o responsável pela tomada de consciência das mulheres da mesma forma que considero que o Centro de Cultura Negra foi para a comunidade negra de São Luís, um espaço de fortalecimento da identidade negra. O livro traduz este movimento e mostra as conquistas obtidas em quase 20 anos de militância e os muitos frutos gerados por esta luta que entre outras cito a criação a Delegacia da Mulher e a criação de diversos organismos de proteção das mulheres maranhenses.

JP – E o livro ‘Os bastidores da tribuna: mulher política e poder no Maranhão’?

MMF – A história desta pesquisa e deste livro é bem curiosa, ele nasceu de uma frase meio provocativa de um amigo que me dizia: Mary o que as mulheres estão fazendo na política? O que elas estão legislando? Procurei então estudar o fenômeno e compreender primeiro a questão da ausência e a permanente exclusão. Depois procurei compreender as nuanças da ação parlamentar sob a perspectiva de gênero. O resultado desse estudo aponta que as mulheres nos três parlamentos que estudei: Congresso Português, Câmara de Vereadores de Araraquara São Paulo e Assembleia Legislativa maranhense elas são mais produtivas que os homens. No período estudado elas apresentaram mais projetos que os deputados e são mais atentas as questões sociais que os homens, mas sua atuação é invisível, pois atuam nos bastidores das comissões parlamentares, daí o título Os bastidores da tribuna.

JP – Qual a importância da Rede Feminista de Estudos e Pesquisa Mulher e Relações de Gênero?

MMF – Esta rede nasceu da necessidade das professoras e pesquisadoras do Norte e Nordeste de criar um espaço de discussão regional sobre gênero a fim de fortalecer os grupos existentes e estimular a criação de novos grupos nas universidades nestas duas regiões. Os esforços empreendidos a partir de então são percebidos nos encontros e nas produções acadêmicas produzidas pela Rede que refletem as ansiedades e desejos das pesquisadoras. Após 20 anos esta rede realizou 17 encontros regionais e publicou mais de 30 livros e mais de 500 artigos favorecendo desta maneira um grande debate nas universidades e rediscutindo o papel da mulher na sociedade. Sua importância está na articulação dos grupos de pesquisa e na difusão desta produção.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O arquiteto Oscar Niemeyer, de 104 anos, morreu no Rio às 21h55 desta quarta-feira (5). Ele estava internado desde 2 de novembro no Hospital Samaritano, em Botafogo, na Zona Sul. Reconhecido internacionalmente por suas obras, Niemeyer completaria 105 anos em 15 de dezembro.

Nesta quarta, um boletim médico informava que o estado de saúde do arquiteto havia piorado e era considerado grave.

Ainda segundo o hospital, Niemeyer respirava com a ajuda de aparelhos e encontrava-se sedado por causa de uma infecção respiratória.

Visita à Passarela do Samba

Em fevereiro, Niemeyer fez uma visita ao Sambódromo, durante a fase final das obras de reforma da Passarela do Samba que mantiveram o traçado original que o arquiteto projetou há 30 anos. Ele enfrentou o sol forte de meio-dia e percorreu num carrinho aberto toda a extensão da Avenida.

“Está muito bom. Melhorou muito. Este não é um trabalho só meu, é o trabalho de um grupo. Estou entusiasmado”, disse Niemeyer, na ocasião.

A foto acima é da sede do Partido Comunista Francês, Paris.

Cinquenta Tons de Cinza e Alienação Parental

Bruna Barbieri Waquim*

Atualmente, em quase todas as rodinhas de amigas, uma hora o assunto gira em torno da Trilogia de livros “Cinquenta Tons de Cinza”.

Para os que ainda não conhecem (porque é raro encontrar “as” que ainda não conhecem), o livro trata da história do amor complicado de Anastasia Steele, uma jovem de 21 anos recém saída da faculdade de Literatura, e Christian Grey, um jovem empresário que ostenta tanta perturbação psicológica quando dinheiro no bolso.

Tentar associar o tema dos livros “Cinquenta Tons” com o assunto da Alienação Parental, à primeira vista, parece completamente descabido. Afinal, o grande chamativo dos livros é o conteúdo sensual do relacionamento entre o jovem casal.

Eu, entretanto, não consigo deixar de achar que essa história, na verdade, não tem como pano de fundo o sadomasoquismo, mas o real ponto central da história é o efeito destruidor de uma infância roubada.

O protagonista, Mr. Grey, tem claros problemas de relacionamento, sendo-lhe difícil manter uma relação saudável, com manifestações espontâneas de afeto por meio de toques e palavras, possuindo uma compulsão por infligir certos graus de dor em busca da satisfação pessoal e sentindo uma extrema necessidade de estar no controle de tudo e de todos.

À medida que a narrativa se desenvolve, descobrimos no livro que o enigmático Mr. Grey sofreu violência física e psicológica na infância, que lhe deixaram marcas de queimaduras no tórax e sérios transtornos de relacionamento e personalidade – tanto o é que um dos personagens de apoio do livro é o seu psiquiatra, Dr. Flyn.

Agora vou me socorrer de Foucault para esclarecer que existe uma profunda ligação entre a Trilogia e o tema da Alienação Parental. Para Foucault, todos os enunciados – como função de existência dos signos – se inter-relacionam em campos enunciativos que complementam seus significados e significantes, criam um campo de conhecimentos históricos e sociais que permite a construção do discurso de acordo com um referencial, uma posição de sujeito e uma materialidade.

A lei da raridade foucaultiana é a pedra de toque que consegue identificar, entre tantos enunciados apropriados por cada indivíduo em seu arquivo, pontos de conexão entre enunciados que pareciam ser completamente díspares, mas que, após a adoção de um referencial, comunicam-se de alguma forma.

É certo que Mr. Grey não foi vítima de alienação parental. Esta síndrome importa no conflito de lealdade a que é exposto um filho quando seus pais (estando juntos ou em virtude de uma separação) começam uma briga para “ganhar” o amor e a dedicação do filho, impedindo o outro genitor de exercer sua parentalidade.

É a situação de um pai que, motivado por ciúmes ou frustrado pela separação, inicia uma campanha de difamação contra a mãe do seu filho, fazendo com que a criança a rejeite e “escolha” amar somente o pai, para não “piorar” o sofrimento que ela vislumbra neste.

É a situação de uma mãe que, para obter uma pensão mais polpuda, desestabiliza a convivência do pai com o filho, dificultando as visitas, incutindo na criança sentimentos de medo, raiva, abandono, fazendo com que a criança se alinhe excessivamente à mãe e dissipe o natural desejo de conviver com o outro genitor.

É a situação de um avô que, não concordando com a orientação sexual externada pelo antigo genro, após a separação conjugal, busca desqualificá-lo enquanto pai, inclusive com falsas denúncias de abuso sexual.

Na prática, várias são as situações que podem configurar um ato de alienação parental, que, em termos simples, significa a manipulação dos sentimentos e pensamentos de um menor para que rejeite o outro genitor ou outro membro da família.

Apesar de não ter sofrido alienação parental, Mr. Grey sofreu um grande trauma em sua infância, que inclusive lhe deixou sem conseguir se comunicar verbalmente com outra pessoa durante 2 anos. Adolescente, Mr. Grey enfrentou as agruras do desenvolvimento de uma personalidade agressiva e, quando jovem, remanejou a agressividade mal-resolvida para a prática de atividades sexuais que a maioria de nós considera deturpadas, por envolver violência, arbitrariedade e dor.

A pergunta que não quer calar é: qual a lei de raridade que aproxima o discurso de Mr. Grey do de tantas vítimas de alienação parental? E eu respondo: é o enunciado de uma infância roubada, com todos os seus contextos e interfaces de integridade psíquica, desenvolvimento afetivo, equilíbrio emocional, reprodução de comportamentos desviados, entre outros.

Assim como Mr. Grey apresenta, na idade adulta, transtornos de ordem psicológica que lhe dificultam viver a plenitude de um relacionamento sem manifestações de autoridade e imposição de dor, várias vítimas de alienação parental, quando crescem, passam a conviver com complexos de culpa, transtornos psíquicos pela falta de referência do Outro (pois a identidade da criança é construída pela contraposição dos papéis do pai e da mãe), gerando assim um adulto que sofre de ansiedade, distúrbios de comportamento, déficits de afetividade, entre outros problemas.

Mr. Grey apresenta marcas no corpo que sensibilizam os leitores pela violência que ele sofreu, mas geralmente as vítimas de alienação parental carregam suas marcas somente no seu interior, já que a alienação é uma forma de violência simbólica, que não deixa rastros físicos evidentes.

Nessa relação entre Cinquenta Tons de Cinza e Alienação Parental, o que espero é sensibilizar as mesmas pessoas que se condoem com a história de vida do Mr. Grey para o necessário equilíbrio que todo filho merece ter em seu lar, sob pena de prejudicar seu futuro enquanto pessoa que precisará se relacionar com outras pessoas além dos genitores, em prol da sua plenitude existencial.

Busco, com essa relação, abrir os olhos de pais e mães que pensam não estarem prejudicando a integridade psicológica de seus filhos quando os expõem aos conflitos conjugais.

Acreditem que, assim como o Mr. Grey, esse menor carregará as cicatrizes da violência simbólica enquanto viver, porém nem todos terão a grande sorte de disporem, assim como o personagem, de uma vasta fortuna para escaparem da confrontação dos seus vícios.

Fica, assim, um apelo para que todos os familiares, e não apenas os genitores, tenham a serenidade necessária para resguardar a criança e o adolescente das brigas domésticas, não lhes exigindo a “escolha de um lado” ou os votos de “dedicação exclusiva”, pois a formação de cidadãos maduros e responsáveis perpassa necessariamente pelo desenvolvimento de jovens equilibrados.

Postagem autorizada pela autora.

* Bruna Barbieri Waquim é mestranda em Direito e Instituições do Sistema da Justiça – UFMA e servidora pública do TJMA (bu_barbieri@yahoo.com.br)