Vencedora das legislativas alemãs, a chanceler admiradora da déspota Catarina II terá de formar uma coalizão com os social-democratas.
Numerosos líderes mundiais orgulham-se de imagens de Napoleão Bonaparte nos seus escritórios. Não é o caso da chanceler alemã Angela Merkel. Aqueles que já visitaram seu escritório falam de um retrato bem exposto de Catarina II, a Grande. A imperatriz do século XVIII era russa, mas de origem alemã. Qualquer que seja o caso, essa veneração por Napoleão ou Catarina, a Grande, refletem o desejo de seus poderosos admiradores a emular, a seu modo, é óbvio, os feitos de seus heróis.
Fotografada com um carrinho de supermercado recentemente, Merkel, oriunda da ex-República Democrática Alemã (RDA), tem 59 anos, é divorciada e não tem filhos. Uma mulher, em miúdos, modesta. No entanto, ela é tão ambiciosa quanto qualquer grandioso admirador de Napoleão. Além disso, Merkel, protégé de Helmut Kohl, o pai da unificação alemã após a queda do muro de Berlim, já entrou para a história. Seu maior trunfo foi a terceira vitória consecutiva como chanceler nas legislativas de domingo 22, algo inédito desde 1957. Isso sem levar em conta o fato de ela ser a primeira chanceler mulher da Alemanha, e, vale sublinhar, nascida e criada na ex-RDA.
Não é por nada que na Alemanha chamam Merkel de Angela, a Grande.
Na verdade, até os paralelepípedos da bela Dresden (para continuarmos na ex-RDA) sabiam que Merkel levaria o pleito. Motivos não escasseiam. Motor econômico da Europa com suas sólidas fábricas e bancos, a sofisticada agricultura alemã é no mínimo invejável. A previsão de crescimento para este ano é de 4%, mas pelo menos a Alemanha escapou da recessão e da crise econômica a assolar o resto do continente. O nível de desemprego é de 5,4%, ante uma média de 10,9% no resto da Europa. E Angela, a Grande, angariou muitos votos ao se posicionar como protetora dos interesses alemães durante a crise econômica na União Europeia (UE).
Por essas e outras, sua União Democrata-Cristã (CDU) e a eterna aliada União-Social Cristã (CSU) obtiveram 41,5% das cadeiras no Bundestag (o congresso alemão). No entanto, o CDU e o CSU não alcançaram a maioria absoluta e terão de formar uma grande coalizão com o Partido Social-Democrata (SPD). A agremiação esquerdista ficou em segundo lugar com 26% dos votos.
O Partido Democrático Liberal (FDP), ex-integrantes da coalizão de centro-direita juntamente com o CDU/CSU desde o último escrutínio em 2009, teria sido a melhor opção para Merkel. No entanto, não conseguiu levar o mínimo requerido de 5%. Eis uma surpresa. Por sua vez, o Partido Verde, com 8,4% dos votos, não é apreciado por Merkel, visto que a inclinações ideológicas da agremiação diferem daquelas da chanceler. Idem em relação ao Partido de Esquerda (Die Linke), considerado demasiado radical até pelo SPD.
Mesmo assim, as negociações entre o CDU/CSU e o SPD não serão um passeio no parque. Por exemplo, as maiores contendas entre o SPD e o CDU são a criação de um salário mínimo (inferior para os conservadores, é óbvio), e os impostos.
Mais: o SPD é mais alerta em relação a questões como a crescente desigualdade social e uma expansão a nível nacional da extrema-direita. Ademais, o SPD já fez parte de uma grande coalizão com os conservadores de 2005 a 2009. Devido a planos de austeridade implementados durante aquele período, a social-democracia perdeu numerosos eleitores. Peer Steinbrueck, líder do SPD e ex-ministro de Finanças de Merkel, disse alto e claro que não fará parte do novo governo.
Existem, ainda, divergências sobre a União Europeia. Para o SPD, Merkel deveria ser mais solidária com países como a Grécia. No entanto, líderes nas capitais europeias sabem que Merkel faz um discurso favorável à ortodoxia econômica para tirar a UE da crise, mas soube recuar quando percebeu o impacto que teria, por exemplo, uma saída da Grécia do bloco econômico.
No entanto, a questão que todos se colocam agora é esta: o que fará Merkel, no seu terceiro e último mandato em relação a UE? Optará por mais programas de austeridade, ou será mais flexível e por tabela favorável à promoção de mais crescimento no Velho Continente?
Há quem diga que a presença do SPD na grande coalizão colocará a Alemanha em sintonia com países como a França, presidida pelo socialista François Hollande.
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